Diálogo competitivo é uma mudança positiva para as contratações públicas
No último dia 1º, o presidente Jair Bolsonaro sancionou, com vetos, o Projeto de Lei 4253/2020, que renova a Lei de Licitações. O texto é fruto de extensos debates nas casas legislativas e gera expectativas no mercado, que anseia por um ambiente licitatório mais moderno e eficiente.
O texto final remonta suas origens no PL 1292/95, ou seja, teve seu início apenas dois anos depois da edição da atual Lei de Licitações. Consequentemente, o documento sofreu diversas alterações e acabou por consolidar, em texto único, a legislação esparsa produzida ao longo dos 25 anos de tramitação.
Pela nova legislação, são extintas as modalidades de licitação por convite e por tomada de preços e, em contrapartida, é introduzido no Brasil o sistema de licitação por meio do chamado diálogo competitivo, ferramenta que, ao menos em teoria, representa a principal inovação no âmbito das contratações públicas.
O mecanismo de licitação por diálogo competitivo mencionado no PL 4253/2020 é, basicamente, uma reprodução da ferramenta introduzida na União Europeia no ano de 2004 e mantida expressamente pelo Parlamento Europeu em 2014 (Diretiva 2014/24/UE).
A modalidade inova no Direito nacional por buscar uma solução ao antigo problema de assimetria cognitiva enfrentado pelo poder público ao realizar contratos com entes privados.
Longe de ser uma exclusividade brasileira, o problema ocorre em praticamente todos os países, pois resulta da impossibilidade do poder público de deter o mesmo nível de expertise técnica dos entes privados para a elaboração das soluções para as suas necessidades.
E isso decorre da própria organização da Administração Pública, que não foi desenhada para operar em regime de competição, a qual exige dos entes privados a constante inovação e modernização. Não há como se exigir do poder público que possua, em seus quadros, profissionais aptos à identificação e ao desenvolvimento de toda e qualquer solução para as suas infinitas demandas.
Por vezes, o setor público apenas tem ciência do problema que pretende resolver, porém não detém a expertise técnica para elaborar até mesmo um projeto básico do objeto que pretende licitar, pois não possui conhecimento de como atender essa demanda, em especial quando a solução cabível sequer está disponível no mercado.
Para esse tipo de situação é que se mostra pertinente a licitação por diálogo competitivo. Com base nas regras da nova modalidade, a Administração divulgará ao público as suas necessidades e exigências que precisam ser atendidas. Então, dialogará com os licitantes para o fim de desenvolver, em conjunto com a iniciativa privada, as alternativas aptas à solução das necessidades do poder público.
Com base no texto legal, a Administração poderá realizar rodadas sucessivas de diálogos com os licitantes, nas quais serão gradualmente restringidas as propostas apresentadas pelos entes privados. Ao final, o órgão público seleciona a solução com base em critérios técnicos e econômicos, e a divulga em novo edital para que então seja dado início à tradicional fase de competição, na qual todos os licitantes poderão realizar propostas.
Nos termos da nova lei, fica claro o reconhecimento do legislador das limitações do poder público para planejamento e desenvolvimento de soluções complexas, o que demonstra uma mudança positiva para as contratações públicas.
É de se destacar que os vetos presidenciais colaboraram ainda mais para desburocratizar e simplificar o ambiente licitatório, o que pode incentivar a adoção da modalidade de diálogo competitivo.
O veto à determinação de publicação dos editais em jornais de grande circulação retirou do texto exigência desnecessária e antieconômica, uma vez que a lei já cria o Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), no qual será centralizada a publicidade dos atos convocatórios.
Especificamente acerca do diálogo competitivo, foi vetada a disposição que possibilitava ao órgão de controle externo monitorar e fazer um controle prévio acerca da legalidade, da legitimidade e da economicidade dos diálogos competitivos. Além de atribuir aos Tribunais de Contas competências não expressamente previstas na Constituição, o controle prévio dos órgãos de contas poderia burocratizar e engessar ainda mais a atuação do gestor, o que acabaria dificultando a adoção da nova modalidade.
O texto final da nova legislação, portanto, apesar de apresentar limitações, retira entraves burocráticos desnecessários do diploma e torna mais simples e seguro ao gestor público buscar no mercado, por meio do diálogo competitivo, a adaptação e a criação de ferramentas modernas para o atendimento às necessidades da Administração, sem exigir um inchaço ainda maior da máquina pública._
A apropriação extemporânea de créditos de PIS/Cofins segundo o Carf
A controvérsia que será abordada na coluna desta semana diz respeito à forma de apropriação de crédito extemporâneo relativamente à Contribuição ao Programa de Integração Social (PIS) e à Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins).
Muito embora seja discussão de longa data conhecida pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) [1], ainda não existe uma posição firmemente adotada a respeito do tema na Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF). Por isso é que, apesar do assunto ter sido ricamente debatido em diversas decisões das turmas ordinárias (e.g. Acórdãos 3402-002.603, 3403-002.717, 3302-007.885 e 3201-006.152), neste texto a luz será focada sobre os julgamentos proferidos pela 3ª Turma da CSRF.
Vejamos primeiramente a legislação que delimita os contornos da controvérsia.
Cuidando da sistemática não cumulativa de apuração e recolhimento da contribuição ao PIS e da Cofins, a legislação ordinária (Lei n° 10.637/2002 e Lei n° 10.833/2003) apresenta dispositivos determinando que os créditos devem ser descontados sobre os gastos incorridos no mês em que ocorreram (artigo 3º, §1º, inciso II), mas, em seguida, afirma que o crédito não aproveitado em determinado mês poderá sê-lo nos meses subsequentes (artigo 3°, §4º, das mesmas Leis n° 10.637/2002 e n° 10.833/2003).
Portanto, dúvida não há: a legislação permite que os créditos das contribuições sejam aproveitados afora do mês de competência. A confusão se coloca, na realidade, sobre o procedimento a ser adotado pelos contribuintes para requerer tais créditos. Mais especificamente, sobre a necessidade de retificação de suas declarações para tanto.
A Receita Federal em diversas oportunidades manifestou-se no sentido de que é possível a alteração dos créditos da não cumulatividade referentes a período pretérito, desde que não decorrido o prazo de cinco anos da ocorrência do fato que gerou o respectivo direito, sendo exigida, porém, a entrega de Demonstrativo de Apuração de Contribuições Sociais (Dacon) e Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTF) retificadores relativos aos períodos com os créditos alterados (e.g. Solução de Consulta n° 36, de 07/02/2011) [2].
Por sua vez, a 3ª Turma da CSRF, nos últimos anos (2018 a 2020), proferiu decisões não homogêneas, ora ratificando o entendimento da Receita Federal, ora afastando-o.
Cuidando inicialmente dos precedentes que entenderam ser imprescindível a retificação das declarações pelos contribuintes para que façam jus ao aproveitamento extemporâneo das contribuições, destaca-se inicialmente o Acórdão 9303-007.510, de 17/10/2018. A maioria dos membros do colegiado entendeu que, no caso concreto, pelo fato de a recorrente não ter apresentado os Dacons com a apuração dos créditos extemporâneos e dos saldos credores trimestrais, nem os respectivos Dacons retificadores, esses créditos seriam desprovidos de certeza e liquidez e, por conseguinte, impassíveis de concessão.
Já em 16 de outubro de 2019, a turma julgadora proferiu o Acórdão 9303-009.653, oportunidade em que foram sublinhados os atos normativos complementares que tangenciam a problemática. Em primeiro lugar, colocou-se a IN SRF nº 600/2005 [3], que disciplinou o ressarcimento/compensação no âmbito federal, tratando especificamente dos saldos acumulados ao final de cada trimestre-calendário em seu artigo 22. Afirma-se em seguida que "o instrumento legal para se apurar os créditos da contribuição é o Dacon mensal que deve ser preenchido e transmitido a Receita Federal pelo contribuinte". Citando então o artigo 11 da IN SRF nº 590/2005, a respeito dos pedidos de alteração nas informações prestadas no Dacon (formalizados por meio de Dacon retificador), a CSRF conclui que nos casos em que se deixa de apurar (apropriar) créditos relativos a determinados meses, é imperiosa a retificação do Dacon relativo ao período em que o crédito não foi apropriado, a fim de incluí-lo na apuração.
Alguns julgamentos seguindo essa linha de entendimento foram publicados em 22 de janeiro de 2020 [4]. É o caso do Acórdão 9303-009.738, do qual se destaca o seguinte trecho:
"A apuração de tais valores se dá justamente por meio das declarações fiscais do contribuinte (IN SRF 384/2004, que instituiu a Dacon). Assim, ausente a prévia apuração do montante a ser aproveitado, mediante a devida retificação da DCTF e Dacon, não se pode ter como certa a dedução de tais créditos extemporâneos pelo contribuinte. Até porque, é mediante os acertos promovidos que a autoridade fiscal pode identificar eventuais duplicidades no uso/apuração dos créditos.
Ora, se a legislação institui regras e instrumentos para a apuração do crédito a favor ou contra a Administração Tributária, essas regras devem ser seguidas e os instrumentos adequadamente utilizados. O crédito só será considerado apurado devidamente na medida em que tal apuração atender aos procedimentos impostos.
Portanto, não é possível a análise dos créditos extemporâneos, da forma como os declarou a contribuinte, ou seja, simplesmente consignados como desconto das contribuições no Dacon de período posterior, sem a devida recomposição através de documentos retificadores de todos os seus créditos frente aos débitos de períodos anteriores".
É possível perceber que, ao impor a obrigação de retificação das declarações, a CSRF deixou externada a preocupação sobre a não utilização dos créditos em duplicidade.
Com efeito, trata-se de preocupação bastante oportuna pois, em sendo admitida a utilização de créditos afora do mês de competência, poderiam existir situações em que os contribuintes, por erro ou por malícia, requeressem em diferentes processos administrativos de ressarcimento/compensação o direito creditório decorrente do mesmo fato.
Esta preocupação é compartilhada pela segunda linha julgamentos que foram proferidos pela CSRF nos últimos anos, a qual, porém, apresenta solução diversa para o problema.
Para essa segunda vertente, o aproveitamento afora do mês em que os gastos foram incorridos depende da comprovação, via documentação inequívoca, de não aproveitamento anterior dos créditos (entre o mês em que ocorreu o gasto e o mês de aproveitamento extemporâneo). Defende-se, assim, que é justamente com essa preocupação em mente que deveriam ser lidas as normativas da Receita Federal quanto à necessidade de retificação das declarações originais: no intuito de impedir o duplo aproveitamento de créditos, e não como um fim em si mesma.
Adotando essa linha de raciocínio, em 25 de janeiro de 2018 teve lugar o julgamento formalizado por meio do Acórdão nº 9303-006.248, dando razão as alegações da empresa recorrente [5].
Esta decisão tem como sustentáculo os seguintes pontos: 1) existe, tanto para a formalização do Dacon como da EFD Contribuição, campos específicos para o lançamento dos créditos anacrônicos; 2) como consequência jurídica para eventual equívoco no preenchimento das declarações, a legislação estabelece a aplicação de multa (artigo 7º Lei nº 10.426/2002) [6], mas não a perda do direito material (crédito da Contribuição ao PIS e da Cofins), não podendo o Fisco negar direito ao crédito em razão de vícios em obrigações acessórias; 3) não há previsão em lei para indeferir pedido de ressarcimento pelo fato deste abranger mais de um trimestre, em decorrência da apuração extemporânea; 4) no bojo de uma fiscalização ou diligência, constatadas incongruências nas declarações do contribuinte, os cálculos da imposição fiscal devem ser refeitas, seja para resultar em lançamento de ofício ou para avalizar crédito em prol do sujeito passivo da obrigação tributária; e 5) não é razoável que um crédito, fundamentado na documentação contábil/fiscal, requerido dentro do prazo decadencial, seja negado sob a justificativa de não ter sido retificada previamente uma obrigação acessória.
O Acórdão nº 9303-008.635, de 15 de maio de 2019 [7], vai exatamente nesta toada, inclusive citando os mesmos precedentes para fundamentar sua posição sobre a desnecessidade de retificação de declarações para o aproveitamento extemporâneo dos créditos da contribuição ao PIS e da Cofins [8].
Finalmente, em dezembro do mesmo ano de 2019, teve lugar a decisão exposta no Acórdão 9303-009.893, igualmente afastando a obrigatoriedade de prévia retificação das obrigações acessórias. Utilizando-se das palavras do acórdão recorrido (3302-002.674), o voto vencedor coloca que:
"Em casos semelhantes, relacionados à necessidade de retificação da DCTF antes da apresentação de Pedido Eletrônico de Restituição, Ressarcimento ou Reembolso e Declaração de Compensação (PER/DCOMP), entendo que não existe norma procedimental condicionando a apresentação de PER/DCOMP à prévia retificação de DCTF, embora seja este um procedimento lógico. Também entendo que a DCTF (original ou retificadora) não serve para conferir, ou não, liquidez e certeza ao crédito pleiteado em PER/DCOMP. O mesmo raciocínio aplicasse ao Dacon, que também não constitui o direito de repetição de indébito.
(...)
A bem do princípio da verdade material, não há nenhum impedimento legal para o contribuinte retificar o Dacon, ou produzir provas, no curso da apuração do seu suposto direito creditório. Tanto o é que ao transmitir o PER/DCOMP o contribuinte não está obrigado a apresentar as provas do direito alegado. Ele o fará quando a autoridade da RFB o intimar para tal.
Ademais, se o Dacon for prova da existência do crédito pleiteado, ele é prova indiciária, necessitando de verificações complementares para constatar-se a existência concreta do crédito pleiteado. Se essas verificações complementares não foram realizadas pela autoridade fazendária, ou se outras provas não forem oferecidas pelo sujeito passivo, não há como falar-se em existência ou inexistência de liquidez e certeza do crédito pleiteado".
Por tudo quanto exposto, pode-se concluir que, nos últimos anos, foram proferidas decisões em sentidos antagônicos pela CSRF sobre a necessidade de retificação de declarações como requisito para a apropriação de créditos extemporâneos de PIS/Cofins [9]. Tal conclusão é particularmente interessante quando contrastada com a jurisprudência das cinco turmas ordinárias da 3ª Seção do Carf, nas quais é atualmente coeso o pensar sobre possibilidade de comprovação do direito ao crédito requerido extemporaneamente, sem necessariamente que isso se dê pelas retificações de obrigações acessórias [10].
Percebemos, assim, curiosa situação, que parece ter invertido os papéis traçados pelo Decreto 70.235/72, morando a interpretação divergente da lei tributária preponderantemente na própria CSRF, e não nas turmas ordinárias que, em regra, lhe trariam dissensos a serem pacificados pela via do recurso especial.
* Este texto não reflete a posição institucional do Carf, mas, sim, uma análise dos seus precedentes publicados no site do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas._
Bolsonaro cometeu homicídio por omissão e crime contra a humanidade, diz OAB
Uma comissão criada pela Ordem dos Advogados do Brasil para analisar a conduta do presidente Jair Bolsonaro durante a epidemia de Covid-19 concluiu que o político cometeu crime de responsabilidade, homicídio e lesão corporal por omissão, além de crime contra a humanidade.
Para a OAB, Bolsonaro cometeu homicídio e lesão corporal por omissão, além de crime de responsabilidade e contra a humanidade
Marcelo Camargo/Agência Brasil
O documento será enviado ao Conselho Federal da OAB para que se decida se a entidade entrará com um pedido de impeachment contra o presidente. O grupo responsável pelo parecer foi presidido por Carlos Ayres Britto, ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal. Também contou com juristas e advogados, como Miguel Reale Jr., Carlos Roberto Siqueira Castro, Cléa Carpi, Nabor Bulhões, Antonio Carlos de Almeida Castro, Geraldo Prado, Marta Saad, José Carlos Porciuncula, entre outros.
O documento lista episódios que evidenciariam a omissão do governo federal e diz que o número de mortos pela Covid-19 teria sido menor se o presidente tivesse adotado medidas restritivas para conter o avanço da doença.
Um dos exemplos citados envolve a Pfizer. Segundo o CEO da companhia, Carlos Murillo, a farmacêutica tentou negociar a venda de vacinas com o governo federal. As doses seriam entregues no final de 2020 e começo de 2021, mas não houve resposta do Executivo sobre a proposta.
"O desinteresse do governo federal mostra-se verdadeiramente incompreensível, não somente pelo alto grau de eficácia da vacina, como também pela disponibilidade que tinha a Pfizer de entregar doses do imunizante ainda no final do ano passado [...] De acordo com estudos científicos, o simples atraso de alguns meses na imunização da população já seria suficiente para um aumento significativo no número de mortes", diz o parecer.
Algo semelhante, aponta o documento, ocorreu com a CoronaVac. Isso porque o ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, enviou carta ao Instituto Butantan em outubro de 2020 informando sobre a intenção de adquirir o imunizante. No dia seguinte, no entanto, o ministro foi desautorizado por Bolsonaro.
"Houvesse o presidente cumprido com o seu dever constitucional de proteção da saúde pública, seguramente milhares de vidas teriam sido preservadas. Deve, por isso mesmo, responder por tais mortes em omissão imprópria, a título de homicídio. Deve também, evidentemente, responder, em omissão imprópria, pela lesão corporal de um número ainda indeterminado de pessoas que não teriam sido atingidas caso medidas eficazes de combate à Covid-19 tivessem sido implementadas."
No plano nacional, o terceiro exemplo de omissão dado pela OAB envolve a não operacionalização de medidas restritivas de circulação de pessoas por parte do governo federal.
"O presidente não somente descumpriu o seu dever de zelar pela saúde pública, como também tentou sistematicamente impedir que medidas adequadas ao combate da Covid-19 fossem tomadas", prossegue o relatório.
Crime contra a humanidade
Por fim, o parecer afirma que o presidente cometeu crime contra a humanidade, passível de denúncia perante o Tribunal Penal Internacional, ao fundar uma "república da morte".
Os juristas se apoiam em uma estimativa feita pelo cientista Pedro Hallal na revista britânica The Lancet. Em março de 2021, quando o Brasil registrava 262 mil mortos, o pesquisador estimou que cerca de 180 mil pessoas morreram como consequência direta da omissão do governo federal.
"Não há outra conclusão possível: houvesse o Presidente cumprido com o seu dever constitucional de proteção da saúde pública, seguramente milhares de vidas teriam sido preservadas. Deve, por isso mesmo, responder por tais mortes", diz a OAB. _
Lei do Amazonas que exige Bíblia em escolas é inconstitucional, decide Supremo
A adoção de medidas estatais que prejudiquem ou beneficiem determinada religião em detrimento de outras ofende a liberdade de crença dos cidadãos. Assim, o Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade de uma lei amazonense que obrigava escolas e bibliotecas a contarem com pelo menos um exemplar da Bíblia em seus acervos. O julgamento foi feito no Plenário virtual que se encerrou nesta segunda-feira (12/4). A decisão foi unânime.
Ministros entenderam que a norma do Amazonas fere a laicidade do EstadoReprodução
A ação direta de inconstitucionalidade havia sido ajuizada em 2015 pelo então Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot. Segundo ele, a norma estadual fere o princípio da laicidade estatal ao fazer juízo de valor sobre um livro religioso.
A ministra Cármen Lúcia, relatora da ADI, considerou que a lei confere tratamento desigual aos cidadãos, já que garante acesso facilitado em instituições públicas apenas aos seguidores da Bíblia, enquanto desprestigiava adeptos de outros livros sagrados: "Não há fundamento constitucional a justificar esta promoção específica de valores culturais. Nem se baseia no preceito constitucional que autoriza o ensino religioso em escolas públicas".
A magistrada destacou que o Estado deve garantir a liberdade religiosa e observar a pluralidade cultural da sociedade, enquanto atua de maneira religiosamente neutra.
"Ao determinar-se a existência de exemplar da Bíblia nas escolas e bibliotecas públicas, institui-se comportamento, em espaço público estatal, de divulgação, estímulo e promoção de conjunto de crenças e dogmas nela presentes. Prejudicam-se outras, configurando-se ofensa ao princípio da laicidade estatal, da liberdade religiosa e da isonomia entre os cidadãos", pontuou.
O voto da relatora foi acompanhado pelos ministros Alexandre de Moraes, Marco Aurélio, Edson Fachin, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Luiz Fux, Nunes Marques, Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes._
TJ-SP homologa recuperação judicial apesar de rejeição de credores
Mesmo que o plano tenha sido rejeitado por uma classe de credores, a Justiça pode conceber a recuperação judicial de uma empresa, desde que siga alguns requisitos estabelecidos no parágrafo 1º do artigo 58 da Lei de Recuperação Judicial e Falências.
Em assembleia, uma das classes de credores havia reprovado o plano de recuperaçãoReprodução
Dessa forma, a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a homologação da recuperação judicial de uma empresa de equipamentos agroindustriais pelo mecanismo de cram down, ou seja, mesmo com a reprovação de parte dos credores.
O Banco do Brasil, credor da empresa, questionava a decisão de primeira instância que havia homologado a recuperação judicial. A classe a qual o agravante pertence rejeitou o plano por mais da metade do valor dos créditos presentes na assembleia, devido a discordâncias quanto ao período de carência e ao pagamento de parcelas semestrais.
O plano foi rejeitado por 12,5% dos credores com garantia real presentes na assembleia, que representam 59,61% do total dos créditos dessa classe. Mas o desembargador Fortes Barbosa, relator do caso, observou que os três requisitos do parágrafo 1º do artigo 58 da lei estavam preenchidos.
Houve aprovação de 94,12% dos credores presentes, independentemente das classes, por 52,49% dos créditos — mais da metade em ambos os casos, o que preenche o primeiro requisito. O plano também foi aprovado por três das quatro classes, cumprindo assim o segundo requisito. Por fim, na classe que o rejeitou, houve voto favorável de sete dos oito credores presentes, ou seja, mais de um terço, o que satisfaz o terceiro requisito da lei.
"Não há, então, o alegado impedimento para homologação do plano, estando viabilizado o cram down", apontou o magistrado. A empresa foi representada pelo escritório Lollato Lopes Advogados._
Semanalmente procuro fazer reflexões neste espaço com diferentes conteúdos, ora destrinchando os detalhes das alterações legislativas, ora criticando a forma de se interpretar e aplicar o Direito do Trabalho, necessariamente abordando o problema do voluntarismo nas decisões judiciais, o que vem me tornando uma espécie de voz dissonante, como bem analisado pela colega Olga Vishnevsky Fortes, vice-presidente em exercício da Associação Brasileira de Magistrados do Trabalho (ABMT), em artigo publicado aqui mesmo na ConJur.
Tenho refletido bastante sobre a questão, principalmente a partir das repercussões do conhecido artigo "O caso MPT x churrascaria Fogo de Chão: R$ 17 milhões por cumprir a lei", que alcançou não apenas a comunidade jurídica trabalhista, mas também os colegas de diversos ramos do Direito e, ainda, outros setores da sociedade. Além dos mais de cem mil acessos na semana da publicação só aqui no site da ConJur, recebi centenas de mensagens elogiosas em todas as redes sociais, a questão foi comentada por jornalistas, da mídia tradicional e da independente, colegas juízes de outros ramos entraram em contato, médicos enviaram congratulações, enfim, ficou claro que boa parte da sociedade concorda com a "voz dissonante" que me tornei.
Em comum em todas as manifestações pude perceber um elogio à coragem com que expus um problema da atualidade, que é refletir sobre a forma como os juízes decidem e as repercussões disso para a sociedade, numa linguagem simples e contundente, a ponto de o artigo ter sido objeto de compreensão por quem não é da área jurídica; igualmente, ficou evidente o cansaço da sociedade com um Poder Judiciário imprevisível e que não dimensiona as consequências de suas próprias decisões, com especial destaque para a Justiça do Trabalho, enviesada numa atuação pró-trabalhador sob o manto da realização de uma justiça social conforme os valores ideológicos dos próprios magistrados.
Internamente tenho sofrido por ser essa "voz dissonante", a ponto de estar respondendo a reclamação disciplinar por conta da publicação do artigo acima citado, estando prestes a ter uma decisão oficial da corregedoria acerca da minha liberdade de expressão. A matéria é pacífica entre nós, juízes e membros do Ministério Público, no sentido de que um magistrado que exerce atividade docente e científica não pode ter menor liberdade de manifestação do seu pensamento que outros acadêmicos, sob pena de lesão ao princípio da isonomia, conforme nota pública da Frentas, entidade que congrega mais de 40 mil membros do Judiciário e do Ministério Público:
"9 — Malfere o princípio da isonomia, insculpido no caput do artigo 5º da Constituição da República, qualquer tentativa de se impor apenas a professores(as), pesquisadores(as) e doutrinadores(as), que cumulem tais condições à de magistrado(a) ou de membro(a) do Ministério Público, restrições aos(às) demais não extensíveis, manifestamente comprometedoras da dignidade da profissão e da excelência no seu desempenho".
Embora aparentemente essa questão interna tenha um destino previsível, até porque vozes diferentes da minha já obtiveram tal reconhecimento perante o Conselho Nacional de Justiça, conforme decisão proferida no caso da colega Valdete Souto Severo, que publicou artigo intitulado "Por que é possível falar em política genocida no Brasil em 2020?" (veja aqui o artigo e aqui a decisão do CNJ), tive acesso nos últimos dias a um excelente estudo que demonstra exatamente o quanto pretendi expor e criticar, o que me causou imensa alegria por perceber que minha voz não é única, quiçá dissonante, mas possivelmente abafada.
Trata-se da dissertação da agora mestra Suzanne Teixeira Odane Rodrigues, sob a orientação do colega Luciano Benetti Timm, cujo título resume o problema: "Como decide a Justiça do Trabalho? Uma análise econômica da existência de viés protetivo do trabalhador nas decisões judiciais trabalhistas", defendida perante o Instituto Brasiliense de Direito Público.
A obra ainda não foi publicada, o que espero aconteça em breve, pois a comunidade jurídica trabalhista necessita de tais reflexões. Deixarei, portanto, de expor aqui seu conteúdo, reproduzindo apenas a parte final do resumo, que, creio, apresenta o tom de voz que considero necessário para o debate atual:
"As conclusões apontam para uma não-neutralidade dos magistrados trabalhistas, os quais consideram que possuem o dever de proteger a classe trabalhadora e, por conseguinte, criam direitos e deveres em prol destes para além do texto legal. Ao final, constata-se que o desconhecimento dos magistrados sobre as consequências econômicas de suas decisões ocasionam um efeito oposto ao esperado: desproteção da classe trabalhadora e aumento das taxas de informalidade e desemprego no país".
Impressiona a capacidade de em poucas linhas resumir o problema fundamental da Justiça do Trabalho. Coincidentemente, em palestra gratuita que ministrei online para o Conselho Trabalhista da Firjan, semana passada, defendi a necessidade de os magistrados trabalhistas estudarem Economia, não para se tornarem especialistas no tema, mas basicamente para poderem compreender que cada decisão judicial provoca um efeito na economia que pode produzir o oposto do esperado. O tal do efeito bumerangue tão bem identificado por Luciana Yeung Luk Tai e Luciano Timm no excelente artigo "A Justiça do Trabalho e o efeito bumerangue".
Não há dúvidas de que todos nós, magistrados do Trabalho, que vestimos a camisa e queremos exercer nosso papel para obter as transformações necessárias na sociedade em prol da tão sonhada justiça social, atuamos ativamente para que esse ideal seja alcançado. Não há dúvidas de que o desejo dos magistrados trabalhistas, de diferentes visões, é não mais encontrar nas mesas de audiências trabalhadores miseráveis, em situações constrangedoras e humilhantes. No fundo, o horizonte é o mesmo, apenas por caminhos diferentes.
Como alegoria, vamos imaginar dois caminhos básicos, um à esquerda e outro à direita. O da esquerda visto como um ideal luminoso, sob a batuta do sol, trilhado por pessoas do bem que comungam de um ideal transformador, progressista, que entendem melhor do que os próprios destinatários o que é bom para eles, concretizando seus direitos fundamentais sob a tutela da força imediatista. O da direita, vil, impiedoso, que lava as mãos para a justiça, preocupado apenas com números, lucro, atuando como robôs cumpridores das leis sem se vincular aos seres humanos, verdadeiros agentes impiedosos da vontade do mercado, que optam pela desconstrução e destruição, preferindo sombras apenas porque o sol está oposto. O primeiro lado supostamente amigo da Justiça do Trabalho; o outro, seu feroz inimigo.
Ambos os caminhos, em seus extremos, produzirão a morte do ideal da justiça social, seja porque o caminho do sol excessivo costuma cegar seus seguidores, seja porque o caminho das sombras fatalmente leva ao abismo. Nas alternativas aparentes, a maioria opta pela luz, aderindo a um coletivo que lhe dá suporte, afago e conforto emocional, bem como portas abertas para eventos, obras e publicações, sem preocupação com sua liberdade de expressão. E quem não escolhe explicitamente o caminho do sol automaticamente é colocado nas sombras, não adiantando nenhuma voz para se defender. Algo como dizia o personagem do "Auto da Compadecida" do saudoso Ariano Suassuna, Chicó: "Não sei, só sei que é assim".
A imunização cognitiva que vivenciamos com as vozes dissonantes revela o problema central da dificuldade de implementarmos as mudanças que necessitamos: existe liberdade plena de pensamento, mas de expressão apenas para quem fala para a maioria, num modelo prévio considerado por "correto".
Se pretendemos evoluir, precisamos reaprender algumas antigas lições a fim de que o debate na área trabalhista possa ser efetuado de forma honesta e para os ideais a que sempre se propôs: melhorar a condição do trabalhador. Para não ficar cansativo, elegi apenas um deles, que, penso, resume os demais: fraternidade. A quem se interessar, segue o link da encíclica Frattelli Tutti.
Independentemente de religiões, que a mensagem da fraternidade possa entrar nos corações de todos os caminhantes do bem, pois a perda da visão somente pode ser superada pelo amor, como Jesus ensinou a São Paulo Apóstolo. Que a Justiça do Trabalho cumpra seu papel, não fazendo poesia, mas distribuindo justiça conforme os limites impostos pelo ordenamento jurídico, de forma firme e sincera, ciente das consequências de seus atos, sem sucumbir aos lobos em pele de cordeiros. Amém._
lenário do STF vai decidir se ISS pode ser incluído da base de cálculo da CPRB
O Plenário do Supremo Tribunal Federal vai decidir se a inclusão do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) na base de cálculo da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB) é constitucional. A controvérsia é objeto de um recurso extraordinário que teve repercussão geral reconhecida pelo Plenário Virtual e a decisão servirá de parâmetro para a resolução de casos semelhantes que tramitam no Judiciário.
O ministro Dias Toffoli ficou vencido na discussão do tema no Plenário Virtual
Fellipe Sampaio/STF
No caso em análise, uma empresa recorreu de acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) que entendeu não ser possível ao contribuinte excluir o ISS da base de cálculo da CPRB instituída pela Lei 12.546/2011.
A empresa argumentou que a base de cálculo da contribuição ultrapassa os limites econômicos previstos na Constituição e que a lei prevê exceções, mas não define claramente o alcance do fato gerador da obrigação tributária, prejudicando a efetividade da capacidade contributiva, já que onera receita irreal, meramente presumida ou fictícia.
Por maioria de votos, o colegiado entendeu que a matéria, por transcender os interesses subjetivos das partes e por sua relevância jurídica, econômica e social, deve ser analisada sob a metodologia da repercussão geral pela corte.
O relator do recurso, ministro Dias Toffoli, ficou vencido. Ele considera que a discussão é infraconstitucional e que, por esse motivo, não se enquadra nos critérios para reconhecimento de repercussão geral. Esse entendimento foi seguido pelos ministros Luís Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski e pela ministra Rosa Weber. Com informações da assessoria de imprensa do STF._
Operação que prendeu ex-premiê de Portugal espelhou a "lava jato"
Em setembro de 2014, o ex-primeiro-ministro português, José Sócrates, que era investigado por fraude fiscal, lavagem de dinheiro e corrupção, foi preso no Aeroporto de Lisboa. Embora estivesse voltando a Portugal, vindo da França, o político do Partido Socialista foi detido preventivamente sob o argumento de que poderia fugir do país. Nenhuma denúncia formal havia sido apresentada.
Ex-primeiro ministro José Sócrates
Antonio Cruz/ABr
A ordem de prisão partiu do juiz Carlos Alexandre, do Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa e responsável pela chamada operação "Marquês", iniciada no mesmo ano da prisão de Sócrates. Conhecido por sua estreita relação com o Ministério Público local, o magistrado ganhou a atenção da imprensa e foi alçado ao posto de grande combatente da corrupção.
A narrativa chama atenção por lembrar o processo contra o ex-presidente Lula no caso do tríplex do Guarujá: envolve um ex-chefe do Executivo preso, um apartamento, um juiz alçado ao posto de herói e conduções coercitivas televisionadas.
Até as resoluções se parecem. Aqui, o político petista teve o processo anulado, após decidida a incompetência de Curitiba. Em Portugal, depois de diversas acusações de que houve burla na distribuição do processo, outro magistrado assumiu o caso e derrubou a maioria das acusações contra Sócrates na última semana.
Em artigo publicado na Folha de S. Paulo no Sábado (10/4), o político europeu mencionou as semelhanças. "A operação Marquês foi a Lava Jato portuguesa [...] Tivemos também a mesma escolha viciada do juiz, o juiz que nunca esteve acima das partes, mas ao lado de uma delas, o Ministério Público. Cá e lá, o mesmo personagem, o juiz-herói construído pela indústria midiática. Aí, um medíocre ativista político [Sergio Moro]; aqui, um figurante um pouco mais cômico. De um lado e de outro do Atlântico, a mesma violência, a mesma brutalidade, o mesmo ódio político", diz o ex-premiê, que governou Portugal de 2005 a 2011.
"Marquês"
A operação que mirou Sócrates investigou a transferência de uma soma milionária de Carlos Santos Silva, amigo do ex-premiê. Segundo o Ministério Público, os valores, que teriam sido transferidos da Suíça para Portugal, seriam na verdade de Sócrates.
Entre as aquisições feitas com o dinheiro estaria um apartamento de três quartos próximo à Praça do Marquês de Pombal. A localidade deu nome à investigação. O político, segundo o MP, tinha um custo de vida "acima das suas possibilidades" e teria recebido 34 milhões de euros para favorecer empresários
"A conclusão a que chegou a acusação trata-se apenas de mera especulação projetada para fora do domínio da racionalidade prática, sem qualquer suporte em concretos argumentos e elementos de prova objetivos. Os elementos de prova constantes dos autos e a lógica contrariam a tese da acusação", disse o juiz Ivo Rosa ao rejeitar parte das denúncias contra Sócrates na última semana.
O magistrado foi sorteado em 2018 para assumir o caso no lugar de Carlos Alexandre, depois de inúmeras acusações de burla à distribuição do processo.
Diferentemente do Brasil, em Portugal há a separação entre o juiz de instrução, que atua na fase de investigação de um processo, e o juiz que julga a ação. O instituto é parecido com o juiz das garantias, introduzido no Brasil pela lei "anticrime", mas ainda não implementado no país.
Em Portugal, cabe ao juiz de instrução aceitar ou não as denúncias feitas pelo Ministério Público. A partir daí um outro magistrado passa a atuar no caso, ficando responsável apenas pelo julgamento. Tanto Carlos Alexandre quanto Ivo Rosa são juízes de instrução.
Brasil
Houve cooperação entre as autoridades portuguesas e a "lava jato" de Curitiba. Os dois países estreitaram ligações porque as investigações eram semelhantes e tinham suspeitos em comum.
Em seu início, a "Marquês" apurou possíveis laços entre Sócrates e a construtora Odebrecht. As suspeitas foram levantadas depois de o Ministério Público português descobrir que a empresa custeou uma viagem do ex-presidente Lula a Lisboa. Posteriormente, foi constatado que o ex-presidente foi ao país europeu para participar de uma celebração que comemorava os 25 anos da Odebrecht.
O Ministério Público também disse que Sócrates teria recebido propina ao intermediar a fusão entre a Portugal Telecom e a Oi. _
Diálogo competitivo é uma mudança positiva para as contratações públicas
No último dia 1º, o presidente Jair Bolsonaro sancionou, com vetos, o Projeto de Lei 4253/2020, que renova a Lei de Licitações. O texto é fruto de extensos debates nas casas legislativas e gera expectativas no mercado, que anseia por um ambiente licitatório mais moderno e eficiente.
O texto final remonta suas origens no PL 1292/95, ou seja, teve seu início apenas dois anos depois da edição da atual Lei de Licitações. Consequentemente, o documento sofreu diversas alterações e acabou por consolidar, em texto único, a legislação esparsa produzida ao longo dos 25 anos de tramitação.
Pela nova legislação, são extintas as modalidades de licitação por convite e por tomada de preços e, em contrapartida, é introduzido no Brasil o sistema de licitação por meio do chamado diálogo competitivo, ferramenta que, ao menos em teoria, representa a principal inovação no âmbito das contratações públicas.
O mecanismo de licitação por diálogo competitivo mencionado no PL 4253/2020 é, basicamente, uma reprodução da ferramenta introduzida na União Europeia no ano de 2004 e mantida expressamente pelo Parlamento Europeu em 2014 (Diretiva 2014/24/UE).
A modalidade inova no Direito nacional por buscar uma solução ao antigo problema de assimetria cognitiva enfrentado pelo poder público ao realizar contratos com entes privados.
Longe de ser uma exclusividade brasileira, o problema ocorre em praticamente todos os países, pois resulta da impossibilidade do poder público de deter o mesmo nível de expertise técnica dos entes privados para a elaboração das soluções para as suas necessidades.
E isso decorre da própria organização da Administração Pública, que não foi desenhada para operar em regime de competição, a qual exige dos entes privados a constante inovação e modernização. Não há como se exigir do poder público que possua, em seus quadros, profissionais aptos à identificação e ao desenvolvimento de toda e qualquer solução para as suas infinitas demandas.
Por vezes, o setor público apenas tem ciência do problema que pretende resolver, porém não detém a expertise técnica para elaborar até mesmo um projeto básico do objeto que pretende licitar, pois não possui conhecimento de como atender essa demanda, em especial quando a solução cabível sequer está disponível no mercado.
Para esse tipo de situação é que se mostra pertinente a licitação por diálogo competitivo. Com base nas regras da nova modalidade, a Administração divulgará ao público as suas necessidades e exigências que precisam ser atendidas. Então, dialogará com os licitantes para o fim de desenvolver, em conjunto com a iniciativa privada, as alternativas aptas à solução das necessidades do poder público.
Com base no texto legal, a Administração poderá realizar rodadas sucessivas de diálogos com os licitantes, nas quais serão gradualmente restringidas as propostas apresentadas pelos entes privados. Ao final, o órgão público seleciona a solução com base em critérios técnicos e econômicos, e a divulga em novo edital para que então seja dado início à tradicional fase de competição, na qual todos os licitantes poderão realizar propostas.
Nos termos da nova lei, fica claro o reconhecimento do legislador das limitações do poder público para planejamento e desenvolvimento de soluções complexas, o que demonstra uma mudança positiva para as contratações públicas.
É de se destacar que os vetos presidenciais colaboraram ainda mais para desburocratizar e simplificar o ambiente licitatório, o que pode incentivar a adoção da modalidade de diálogo competitivo.
O veto à determinação de publicação dos editais em jornais de grande circulação retirou do texto exigência desnecessária e antieconômica, uma vez que a lei já cria o Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), no qual será centralizada a publicidade dos atos convocatórios.
Especificamente acerca do diálogo competitivo, foi vetada a disposição que possibilitava ao órgão de controle externo monitorar e fazer um controle prévio acerca da legalidade, da legitimidade e da economicidade dos diálogos competitivos. Além de atribuir aos Tribunais de Contas competências não expressamente previstas na Constituição, o controle prévio dos órgãos de contas poderia burocratizar e engessar ainda mais a atuação do gestor, o que acabaria dificultando a adoção da nova modalidade.
O texto final da nova legislação, portanto, apesar de apresentar limitações, retira entraves burocráticos desnecessários do diploma e torna mais simples e seguro ao gestor público buscar no mercado, por meio do diálogo competitivo, a adaptação e a criação de ferramentas modernas para o atendimento às necessidades da Administração, sem exigir um inchaço ainda maior da máquina pública._
A apropriação extemporânea de créditos de PIS/Cofins segundo o Carf
A controvérsia que será abordada na coluna desta semana diz respeito à forma de apropriação de crédito extemporâneo relativamente à Contribuição ao Programa de Integração Social (PIS) e à Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins).
Muito embora seja discussão de longa data conhecida pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) [1], ainda não existe uma posição firmemente adotada a respeito do tema na Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF). Por isso é que, apesar do assunto ter sido ricamente debatido em diversas decisões das turmas ordinárias (e.g. Acórdãos 3402-002.603, 3403-002.717, 3302-007.885 e 3201-006.152), neste texto a luz será focada sobre os julgamentos proferidos pela 3ª Turma da CSRF.
Vejamos primeiramente a legislação que delimita os contornos da controvérsia.
Cuidando da sistemática não cumulativa de apuração e recolhimento da contribuição ao PIS e da Cofins, a legislação ordinária (Lei n° 10.637/2002 e Lei n° 10.833/2003) apresenta dispositivos determinando que os créditos devem ser descontados sobre os gastos incorridos no mês em que ocorreram (artigo 3º, §1º, inciso II), mas, em seguida, afirma que o crédito não aproveitado em determinado mês poderá sê-lo nos meses subsequentes (artigo 3°, §4º, das mesmas Leis n° 10.637/2002 e n° 10.833/2003).
Portanto, dúvida não há: a legislação permite que os créditos das contribuições sejam aproveitados afora do mês de competência. A confusão se coloca, na realidade, sobre o procedimento a ser adotado pelos contribuintes para requerer tais créditos. Mais especificamente, sobre a necessidade de retificação de suas declarações para tanto.
A Receita Federal em diversas oportunidades manifestou-se no sentido de que é possível a alteração dos créditos da não cumulatividade referentes a período pretérito, desde que não decorrido o prazo de cinco anos da ocorrência do fato que gerou o respectivo direito, sendo exigida, porém, a entrega de Demonstrativo de Apuração de Contribuições Sociais (Dacon) e Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTF) retificadores relativos aos períodos com os créditos alterados (e.g. Solução de Consulta n° 36, de 07/02/2011) [2].
Por sua vez, a 3ª Turma da CSRF, nos últimos anos (2018 a 2020), proferiu decisões não homogêneas, ora ratificando o entendimento da Receita Federal, ora afastando-o.
Cuidando inicialmente dos precedentes que entenderam ser imprescindível a retificação das declarações pelos contribuintes para que façam jus ao aproveitamento extemporâneo das contribuições, destaca-se inicialmente o Acórdão 9303-007.510, de 17/10/2018. A maioria dos membros do colegiado entendeu que, no caso concreto, pelo fato de a recorrente não ter apresentado os Dacons com a apuração dos créditos extemporâneos e dos saldos credores trimestrais, nem os respectivos Dacons retificadores, esses créditos seriam desprovidos de certeza e liquidez e, por conseguinte, impassíveis de concessão.
Já em 16 de outubro de 2019, a turma julgadora proferiu o Acórdão 9303-009.653, oportunidade em que foram sublinhados os atos normativos complementares que tangenciam a problemática. Em primeiro lugar, colocou-se a IN SRF nº 600/2005 [3], que disciplinou o ressarcimento/compensação no âmbito federal, tratando especificamente dos saldos acumulados ao final de cada trimestre-calendário em seu artigo 22. Afirma-se em seguida que "o instrumento legal para se apurar os créditos da contribuição é o Dacon mensal que deve ser preenchido e transmitido a Receita Federal pelo contribuinte". Citando então o artigo 11 da IN SRF nº 590/2005, a respeito dos pedidos de alteração nas informações prestadas no Dacon (formalizados por meio de Dacon retificador), a CSRF conclui que nos casos em que se deixa de apurar (apropriar) créditos relativos a determinados meses, é imperiosa a retificação do Dacon relativo ao período em que o crédito não foi apropriado, a fim de incluí-lo na apuração.
Alguns julgamentos seguindo essa linha de entendimento foram publicados em 22 de janeiro de 2020 [4]. É o caso do Acórdão 9303-009.738, do qual se destaca o seguinte trecho:
"A apuração de tais valores se dá justamente por meio das declarações fiscais do contribuinte (IN SRF 384/2004, que instituiu a Dacon). Assim, ausente a prévia apuração do montante a ser aproveitado, mediante a devida retificação da DCTF e Dacon, não se pode ter como certa a dedução de tais créditos extemporâneos pelo contribuinte. Até porque, é mediante os acertos promovidos que a autoridade fiscal pode identificar eventuais duplicidades no uso/apuração dos créditos.
Ora, se a legislação institui regras e instrumentos para a apuração do crédito a favor ou contra a Administração Tributária, essas regras devem ser seguidas e os instrumentos adequadamente utilizados. O crédito só será considerado apurado devidamente na medida em que tal apuração atender aos procedimentos impostos.
Portanto, não é possível a análise dos créditos extemporâneos, da forma como os declarou a contribuinte, ou seja, simplesmente consignados como desconto das contribuições no Dacon de período posterior, sem a devida recomposição através de documentos retificadores de todos os seus créditos frente aos débitos de períodos anteriores".
É possível perceber que, ao impor a obrigação de retificação das declarações, a CSRF deixou externada a preocupação sobre a não utilização dos créditos em duplicidade.
Com efeito, trata-se de preocupação bastante oportuna pois, em sendo admitida a utilização de créditos afora do mês de competência, poderiam existir situações em que os contribuintes, por erro ou por malícia, requeressem em diferentes processos administrativos de ressarcimento/compensação o direito creditório decorrente do mesmo fato.
Esta preocupação é compartilhada pela segunda linha julgamentos que foram proferidos pela CSRF nos últimos anos, a qual, porém, apresenta solução diversa para o problema.
Para essa segunda vertente, o aproveitamento afora do mês em que os gastos foram incorridos depende da comprovação, via documentação inequívoca, de não aproveitamento anterior dos créditos (entre o mês em que ocorreu o gasto e o mês de aproveitamento extemporâneo). Defende-se, assim, que é justamente com essa preocupação em mente que deveriam ser lidas as normativas da Receita Federal quanto à necessidade de retificação das declarações originais: no intuito de impedir o duplo aproveitamento de créditos, e não como um fim em si mesma.
Adotando essa linha de raciocínio, em 25 de janeiro de 2018 teve lugar o julgamento formalizado por meio do Acórdão nº 9303-006.248, dando razão as alegações da empresa recorrente [5].
Esta decisão tem como sustentáculo os seguintes pontos: 1) existe, tanto para a formalização do Dacon como da EFD Contribuição, campos específicos para o lançamento dos créditos anacrônicos; 2) como consequência jurídica para eventual equívoco no preenchimento das declarações, a legislação estabelece a aplicação de multa (artigo 7º Lei nº 10.426/2002) [6], mas não a perda do direito material (crédito da Contribuição ao PIS e da Cofins), não podendo o Fisco negar direito ao crédito em razão de vícios em obrigações acessórias; 3) não há previsão em lei para indeferir pedido de ressarcimento pelo fato deste abranger mais de um trimestre, em decorrência da apuração extemporânea; 4) no bojo de uma fiscalização ou diligência, constatadas incongruências nas declarações do contribuinte, os cálculos da imposição fiscal devem ser refeitas, seja para resultar em lançamento de ofício ou para avalizar crédito em prol do sujeito passivo da obrigação tributária; e 5) não é razoável que um crédito, fundamentado na documentação contábil/fiscal, requerido dentro do prazo decadencial, seja negado sob a justificativa de não ter sido retificada previamente uma obrigação acessória.
O Acórdão nº 9303-008.635, de 15 de maio de 2019 [7], vai exatamente nesta toada, inclusive citando os mesmos precedentes para fundamentar sua posição sobre a desnecessidade de retificação de declarações para o aproveitamento extemporâneo dos créditos da contribuição ao PIS e da Cofins [8].
Finalmente, em dezembro do mesmo ano de 2019, teve lugar a decisão exposta no Acórdão 9303-009.893, igualmente afastando a obrigatoriedade de prévia retificação das obrigações acessórias. Utilizando-se das palavras do acórdão recorrido (3302-002.674), o voto vencedor coloca que:
"Em casos semelhantes, relacionados à necessidade de retificação da DCTF antes da apresentação de Pedido Eletrônico de Restituição, Ressarcimento ou Reembolso e Declaração de Compensação (PER/DCOMP), entendo que não existe norma procedimental condicionando a apresentação de PER/DCOMP à prévia retificação de DCTF, embora seja este um procedimento lógico. Também entendo que a DCTF (original ou retificadora) não serve para conferir, ou não, liquidez e certeza ao crédito pleiteado em PER/DCOMP. O mesmo raciocínio aplicasse ao Dacon, que também não constitui o direito de repetição de indébito.
(...)
A bem do princípio da verdade material, não há nenhum impedimento legal para o contribuinte retificar o Dacon, ou produzir provas, no curso da apuração do seu suposto direito creditório. Tanto o é que ao transmitir o PER/DCOMP o contribuinte não está obrigado a apresentar as provas do direito alegado. Ele o fará quando a autoridade da RFB o intimar para tal.
Ademais, se o Dacon for prova da existência do crédito pleiteado, ele é prova indiciária, necessitando de verificações complementares para constatar-se a existência concreta do crédito pleiteado. Se essas verificações complementares não foram realizadas pela autoridade fazendária, ou se outras provas não forem oferecidas pelo sujeito passivo, não há como falar-se em existência ou inexistência de liquidez e certeza do crédito pleiteado".
Por tudo quanto exposto, pode-se concluir que, nos últimos anos, foram proferidas decisões em sentidos antagônicos pela CSRF sobre a necessidade de retificação de declarações como requisito para a apropriação de créditos extemporâneos de PIS/Cofins [9]. Tal conclusão é particularmente interessante quando contrastada com a jurisprudência das cinco turmas ordinárias da 3ª Seção do Carf, nas quais é atualmente coeso o pensar sobre possibilidade de comprovação do direito ao crédito requerido extemporaneamente, sem necessariamente que isso se dê pelas retificações de obrigações acessórias [10].
Percebemos, assim, curiosa situação, que parece ter invertido os papéis traçados pelo Decreto 70.235/72, morando a interpretação divergente da lei tributária preponderantemente na própria CSRF, e não nas turmas ordinárias que, em regra, lhe trariam dissensos a serem pacificados pela via do recurso especial.
* Este texto não reflete a posição institucional do Carf, mas, sim, uma análise dos seus precedentes publicados no site do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas._
Bolsonaro cometeu homicídio por omissão e crime contra a humanidade, diz OAB
Uma comissão criada pela Ordem dos Advogados do Brasil para analisar a conduta do presidente Jair Bolsonaro durante a epidemia de Covid-19 concluiu que o político cometeu crime de responsabilidade, homicídio e lesão corporal por omissão, além de crime contra a humanidade.
Para a OAB, Bolsonaro cometeu homicídio e lesão corporal por omissão, além de crime de responsabilidade e contra a humanidade
Marcelo Camargo/Agência Brasil
O documento será enviado ao Conselho Federal da OAB para que se decida se a entidade entrará com um pedido de impeachment contra o presidente. O grupo responsável pelo parecer foi presidido por Carlos Ayres Britto, ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal. Também contou com juristas e advogados, como Miguel Reale Jr., Carlos Roberto Siqueira Castro, Cléa Carpi, Nabor Bulhões, Antonio Carlos de Almeida Castro, Geraldo Prado, Marta Saad, José Carlos Porciuncula, entre outros.
O documento lista episódios que evidenciariam a omissão do governo federal e diz que o número de mortos pela Covid-19 teria sido menor se o presidente tivesse adotado medidas restritivas para conter o avanço da doença.
Um dos exemplos citados envolve a Pfizer. Segundo o CEO da companhia, Carlos Murillo, a farmacêutica tentou negociar a venda de vacinas com o governo federal. As doses seriam entregues no final de 2020 e começo de 2021, mas não houve resposta do Executivo sobre a proposta.
"O desinteresse do governo federal mostra-se verdadeiramente incompreensível, não somente pelo alto grau de eficácia da vacina, como também pela disponibilidade que tinha a Pfizer de entregar doses do imunizante ainda no final do ano passado [...] De acordo com estudos científicos, o simples atraso de alguns meses na imunização da população já seria suficiente para um aumento significativo no número de mortes", diz o parecer.
Algo semelhante, aponta o documento, ocorreu com a CoronaVac. Isso porque o ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, enviou carta ao Instituto Butantan em outubro de 2020 informando sobre a intenção de adquirir o imunizante. No dia seguinte, no entanto, o ministro foi desautorizado por Bolsonaro.
"Houvesse o presidente cumprido com o seu dever constitucional de proteção da saúde pública, seguramente milhares de vidas teriam sido preservadas. Deve, por isso mesmo, responder por tais mortes em omissão imprópria, a título de homicídio. Deve também, evidentemente, responder, em omissão imprópria, pela lesão corporal de um número ainda indeterminado de pessoas que não teriam sido atingidas caso medidas eficazes de combate à Covid-19 tivessem sido implementadas."
No plano nacional, o terceiro exemplo de omissão dado pela OAB envolve a não operacionalização de medidas restritivas de circulação de pessoas por parte do governo federal.
"O presidente não somente descumpriu o seu dever de zelar pela saúde pública, como também tentou sistematicamente impedir que medidas adequadas ao combate da Covid-19 fossem tomadas", prossegue o relatório.
Crime contra a humanidade
Por fim, o parecer afirma que o presidente cometeu crime contra a humanidade, passível de denúncia perante o Tribunal Penal Internacional, ao fundar uma "república da morte".
Os juristas se apoiam em uma estimativa feita pelo cientista Pedro Hallal na revista britânica The Lancet. Em março de 2021, quando o Brasil registrava 262 mil mortos, o pesquisador estimou que cerca de 180 mil pessoas morreram como consequência direta da omissão do governo federal.
"Não há outra conclusão possível: houvesse o Presidente cumprido com o seu dever constitucional de proteção da saúde pública, seguramente milhares de vidas teriam sido preservadas. Deve, por isso mesmo, responder por tais mortes", diz a OAB. _
Lei do Amazonas que exige Bíblia em escolas é inconstitucional, decide Supremo
A adoção de medidas estatais que prejudiquem ou beneficiem determinada religião em detrimento de outras ofende a liberdade de crença dos cidadãos. Assim, o Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade de uma lei amazonense que obrigava escolas e bibliotecas a contarem com pelo menos um exemplar da Bíblia em seus acervos. O julgamento foi feito no Plenário virtual que se encerrou nesta segunda-feira (12/4). A decisão foi unânime.
Ministros entenderam que a norma do Amazonas fere a laicidade do EstadoReprodução
A ação direta de inconstitucionalidade havia sido ajuizada em 2015 pelo então Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot. Segundo ele, a norma estadual fere o princípio da laicidade estatal ao fazer juízo de valor sobre um livro religioso.
A ministra Cármen Lúcia, relatora da ADI, considerou que a lei confere tratamento desigual aos cidadãos, já que garante acesso facilitado em instituições públicas apenas aos seguidores da Bíblia, enquanto desprestigiava adeptos de outros livros sagrados: "Não há fundamento constitucional a justificar esta promoção específica de valores culturais. Nem se baseia no preceito constitucional que autoriza o ensino religioso em escolas públicas".
A magistrada destacou que o Estado deve garantir a liberdade religiosa e observar a pluralidade cultural da sociedade, enquanto atua de maneira religiosamente neutra.
"Ao determinar-se a existência de exemplar da Bíblia nas escolas e bibliotecas públicas, institui-se comportamento, em espaço público estatal, de divulgação, estímulo e promoção de conjunto de crenças e dogmas nela presentes. Prejudicam-se outras, configurando-se ofensa ao princípio da laicidade estatal, da liberdade religiosa e da isonomia entre os cidadãos", pontuou.
O voto da relatora foi acompanhado pelos ministros Alexandre de Moraes, Marco Aurélio, Edson Fachin, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Luiz Fux, Nunes Marques, Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes._
TJ-SP homologa recuperação judicial apesar de rejeição de credores
Mesmo que o plano tenha sido rejeitado por uma classe de credores, a Justiça pode conceber a recuperação judicial de uma empresa, desde que siga alguns requisitos estabelecidos no parágrafo 1º do artigo 58 da Lei de Recuperação Judicial e Falências.
Em assembleia, uma das classes de credores havia reprovado o plano de recuperaçãoReprodução
Dessa forma, a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a homologação da recuperação judicial de uma empresa de equipamentos agroindustriais pelo mecanismo de cram down, ou seja, mesmo com a reprovação de parte dos credores.
O Banco do Brasil, credor da empresa, questionava a decisão de primeira instância que havia homologado a recuperação judicial. A classe a qual o agravante pertence rejeitou o plano por mais da metade do valor dos créditos presentes na assembleia, devido a discordâncias quanto ao período de carência e ao pagamento de parcelas semestrais.
O plano foi rejeitado por 12,5% dos credores com garantia real presentes na assembleia, que representam 59,61% do total dos créditos dessa classe. Mas o desembargador Fortes Barbosa, relator do caso, observou que os três requisitos do parágrafo 1º do artigo 58 da lei estavam preenchidos.
Houve aprovação de 94,12% dos credores presentes, independentemente das classes, por 52,49% dos créditos — mais da metade em ambos os casos, o que preenche o primeiro requisito. O plano também foi aprovado por três das quatro classes, cumprindo assim o segundo requisito. Por fim, na classe que o rejeitou, houve voto favorável de sete dos oito credores presentes, ou seja, mais de um terço, o que satisfaz o terceiro requisito da lei.
"Não há, então, o alegado impedimento para homologação do plano, estando viabilizado o cram down", apontou o magistrado. A empresa foi representada pelo escritório Lollato Lopes Advogados._
Semanalmente procuro fazer reflexões neste espaço com diferentes conteúdos, ora destrinchando os detalhes das alterações legislativas, ora criticando a forma de se interpretar e aplicar o Direito do Trabalho, necessariamente abordando o problema do voluntarismo nas decisões judiciais, o que vem me tornando uma espécie de voz dissonante, como bem analisado pela colega Olga Vishnevsky Fortes, vice-presidente em exercício da Associação Brasileira de Magistrados do Trabalho (ABMT), em artigo publicado aqui mesmo na ConJur.
Tenho refletido bastante sobre a questão, principalmente a partir das repercussões do conhecido artigo "O caso MPT x churrascaria Fogo de Chão: R$ 17 milhões por cumprir a lei", que alcançou não apenas a comunidade jurídica trabalhista, mas também os colegas de diversos ramos do Direito e, ainda, outros setores da sociedade. Além dos mais de cem mil acessos na semana da publicação só aqui no site da ConJur, recebi centenas de mensagens elogiosas em todas as redes sociais, a questão foi comentada por jornalistas, da mídia tradicional e da independente, colegas juízes de outros ramos entraram em contato, médicos enviaram congratulações, enfim, ficou claro que boa parte da sociedade concorda com a "voz dissonante" que me tornei.
Em comum em todas as manifestações pude perceber um elogio à coragem com que expus um problema da atualidade, que é refletir sobre a forma como os juízes decidem e as repercussões disso para a sociedade, numa linguagem simples e contundente, a ponto de o artigo ter sido objeto de compreensão por quem não é da área jurídica; igualmente, ficou evidente o cansaço da sociedade com um Poder Judiciário imprevisível e que não dimensiona as consequências de suas próprias decisões, com especial destaque para a Justiça do Trabalho, enviesada numa atuação pró-trabalhador sob o manto da realização de uma justiça social conforme os valores ideológicos dos próprios magistrados.
Internamente tenho sofrido por ser essa "voz dissonante", a ponto de estar respondendo a reclamação disciplinar por conta da publicação do artigo acima citado, estando prestes a ter uma decisão oficial da corregedoria acerca da minha liberdade de expressão. A matéria é pacífica entre nós, juízes e membros do Ministério Público, no sentido de que um magistrado que exerce atividade docente e científica não pode ter menor liberdade de manifestação do seu pensamento que outros acadêmicos, sob pena de lesão ao princípio da isonomia, conforme nota pública da Frentas, entidade que congrega mais de 40 mil membros do Judiciário e do Ministério Público:
"9 — Malfere o princípio da isonomia, insculpido no caput do artigo 5º da Constituição da República, qualquer tentativa de se impor apenas a professores(as), pesquisadores(as) e doutrinadores(as), que cumulem tais condições à de magistrado(a) ou de membro(a) do Ministério Público, restrições aos(às) demais não extensíveis, manifestamente comprometedoras da dignidade da profissão e da excelência no seu desempenho".
Embora aparentemente essa questão interna tenha um destino previsível, até porque vozes diferentes da minha já obtiveram tal reconhecimento perante o Conselho Nacional de Justiça, conforme decisão proferida no caso da colega Valdete Souto Severo, que publicou artigo intitulado "Por que é possível falar em política genocida no Brasil em 2020?" (veja aqui o artigo e aqui a decisão do CNJ), tive acesso nos últimos dias a um excelente estudo que demonstra exatamente o quanto pretendi expor e criticar, o que me causou imensa alegria por perceber que minha voz não é única, quiçá dissonante, mas possivelmente abafada.
Trata-se da dissertação da agora mestra Suzanne Teixeira Odane Rodrigues, sob a orientação do colega Luciano Benetti Timm, cujo título resume o problema: "Como decide a Justiça do Trabalho? Uma análise econômica da existência de viés protetivo do trabalhador nas decisões judiciais trabalhistas", defendida perante o Instituto Brasiliense de Direito Público.
A obra ainda não foi publicada, o que espero aconteça em breve, pois a comunidade jurídica trabalhista necessita de tais reflexões. Deixarei, portanto, de expor aqui seu conteúdo, reproduzindo apenas a parte final do resumo, que, creio, apresenta o tom de voz que considero necessário para o debate atual:
"As conclusões apontam para uma não-neutralidade dos magistrados trabalhistas, os quais consideram que possuem o dever de proteger a classe trabalhadora e, por conseguinte, criam direitos e deveres em prol destes para além do texto legal. Ao final, constata-se que o desconhecimento dos magistrados sobre as consequências econômicas de suas decisões ocasionam um efeito oposto ao esperado: desproteção da classe trabalhadora e aumento das taxas de informalidade e desemprego no país".
Impressiona a capacidade de em poucas linhas resumir o problema fundamental da Justiça do Trabalho. Coincidentemente, em palestra gratuita que ministrei online para o Conselho Trabalhista da Firjan, semana passada, defendi a necessidade de os magistrados trabalhistas estudarem Economia, não para se tornarem especialistas no tema, mas basicamente para poderem compreender que cada decisão judicial provoca um efeito na economia que pode produzir o oposto do esperado. O tal do efeito bumerangue tão bem identificado por Luciana Yeung Luk Tai e Luciano Timm no excelente artigo "A Justiça do Trabalho e o efeito bumerangue".
Não há dúvidas de que todos nós, magistrados do Trabalho, que vestimos a camisa e queremos exercer nosso papel para obter as transformações necessárias na sociedade em prol da tão sonhada justiça social, atuamos ativamente para que esse ideal seja alcançado. Não há dúvidas de que o desejo dos magistrados trabalhistas, de diferentes visões, é não mais encontrar nas mesas de audiências trabalhadores miseráveis, em situações constrangedoras e humilhantes. No fundo, o horizonte é o mesmo, apenas por caminhos diferentes.
Como alegoria, vamos imaginar dois caminhos básicos, um à esquerda e outro à direita. O da esquerda visto como um ideal luminoso, sob a batuta do sol, trilhado por pessoas do bem que comungam de um ideal transformador, progressista, que entendem melhor do que os próprios destinatários o que é bom para eles, concretizando seus direitos fundamentais sob a tutela da força imediatista. O da direita, vil, impiedoso, que lava as mãos para a justiça, preocupado apenas com números, lucro, atuando como robôs cumpridores das leis sem se vincular aos seres humanos, verdadeiros agentes impiedosos da vontade do mercado, que optam pela desconstrução e destruição, preferindo sombras apenas porque o sol está oposto. O primeiro lado supostamente amigo da Justiça do Trabalho; o outro, seu feroz inimigo.
Ambos os caminhos, em seus extremos, produzirão a morte do ideal da justiça social, seja porque o caminho do sol excessivo costuma cegar seus seguidores, seja porque o caminho das sombras fatalmente leva ao abismo. Nas alternativas aparentes, a maioria opta pela luz, aderindo a um coletivo que lhe dá suporte, afago e conforto emocional, bem como portas abertas para eventos, obras e publicações, sem preocupação com sua liberdade de expressão. E quem não escolhe explicitamente o caminho do sol automaticamente é colocado nas sombras, não adiantando nenhuma voz para se defender. Algo como dizia o personagem do "Auto da Compadecida" do saudoso Ariano Suassuna, Chicó: "Não sei, só sei que é assim".
A imunização cognitiva que vivenciamos com as vozes dissonantes revela o problema central da dificuldade de implementarmos as mudanças que necessitamos: existe liberdade plena de pensamento, mas de expressão apenas para quem fala para a maioria, num modelo prévio considerado por "correto".
Se pretendemos evoluir, precisamos reaprender algumas antigas lições a fim de que o debate na área trabalhista possa ser efetuado de forma honesta e para os ideais a que sempre se propôs: melhorar a condição do trabalhador. Para não ficar cansativo, elegi apenas um deles, que, penso, resume os demais: fraternidade. A quem se interessar, segue o link da encíclica Frattelli Tutti.
Independentemente de religiões, que a mensagem da fraternidade possa entrar nos corações de todos os caminhantes do bem, pois a perda da visão somente pode ser superada pelo amor, como Jesus ensinou a São Paulo Apóstolo. Que a Justiça do Trabalho cumpra seu papel, não fazendo poesia, mas distribuindo justiça conforme os limites impostos pelo ordenamento jurídico, de forma firme e sincera, ciente das consequências de seus atos, sem sucumbir aos lobos em pele de cordeiros. Amém._
lenário do STF vai decidir se ISS pode ser incluído da base de cálculo da CPRB
O Plenário do Supremo Tribunal Federal vai decidir se a inclusão do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) na base de cálculo da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB) é constitucional. A controvérsia é objeto de um recurso extraordinário que teve repercussão geral reconhecida pelo Plenário Virtual e a decisão servirá de parâmetro para a resolução de casos semelhantes que tramitam no Judiciário.
O ministro Dias Toffoli ficou vencido na discussão do tema no Plenário Virtual
Fellipe Sampaio/STF
No caso em análise, uma empresa recorreu de acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) que entendeu não ser possível ao contribuinte excluir o ISS da base de cálculo da CPRB instituída pela Lei 12.546/2011.
A empresa argumentou que a base de cálculo da contribuição ultrapassa os limites econômicos previstos na Constituição e que a lei prevê exceções, mas não define claramente o alcance do fato gerador da obrigação tributária, prejudicando a efetividade da capacidade contributiva, já que onera receita irreal, meramente presumida ou fictícia.
Por maioria de votos, o colegiado entendeu que a matéria, por transcender os interesses subjetivos das partes e por sua relevância jurídica, econômica e social, deve ser analisada sob a metodologia da repercussão geral pela corte.
O relator do recurso, ministro Dias Toffoli, ficou vencido. Ele considera que a discussão é infraconstitucional e que, por esse motivo, não se enquadra nos critérios para reconhecimento de repercussão geral. Esse entendimento foi seguido pelos ministros Luís Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski e pela ministra Rosa Weber. Com informações da assessoria de imprensa do STF._
Operação que prendeu ex-premiê de Portugal espelhou a "lava jato"
Em setembro de 2014, o ex-primeiro-ministro português, José Sócrates, que era investigado por fraude fiscal, lavagem de dinheiro e corrupção, foi preso no Aeroporto de Lisboa. Embora estivesse voltando a Portugal, vindo da França, o político do Partido Socialista foi detido preventivamente sob o argumento de que poderia fugir do país. Nenhuma denúncia formal havia sido apresentada.
Ex-primeiro ministro José Sócrates
Antonio Cruz/ABr
A ordem de prisão partiu do juiz Carlos Alexandre, do Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa e responsável pela chamada operação "Marquês", iniciada no mesmo ano da prisão de Sócrates. Conhecido por sua estreita relação com o Ministério Público local, o magistrado ganhou a atenção da imprensa e foi alçado ao posto de grande combatente da corrupção.
A narrativa chama atenção por lembrar o processo contra o ex-presidente Lula no caso do tríplex do Guarujá: envolve um ex-chefe do Executivo preso, um apartamento, um juiz alçado ao posto de herói e conduções coercitivas televisionadas.
Até as resoluções se parecem. Aqui, o político petista teve o processo anulado, após decidida a incompetência de Curitiba. Em Portugal, depois de diversas acusações de que houve burla na distribuição do processo, outro magistrado assumiu o caso e derrubou a maioria das acusações contra Sócrates na última semana.
Em artigo publicado na Folha de S. Paulo no Sábado (10/4), o político europeu mencionou as semelhanças. "A operação Marquês foi a Lava Jato portuguesa [...] Tivemos também a mesma escolha viciada do juiz, o juiz que nunca esteve acima das partes, mas ao lado de uma delas, o Ministério Público. Cá e lá, o mesmo personagem, o juiz-herói construído pela indústria midiática. Aí, um medíocre ativista político [Sergio Moro]; aqui, um figurante um pouco mais cômico. De um lado e de outro do Atlântico, a mesma violência, a mesma brutalidade, o mesmo ódio político", diz o ex-premiê, que governou Portugal de 2005 a 2011.
"Marquês"
A operação que mirou Sócrates investigou a transferência de uma soma milionária de Carlos Santos Silva, amigo do ex-premiê. Segundo o Ministério Público, os valores, que teriam sido transferidos da Suíça para Portugal, seriam na verdade de Sócrates.
Entre as aquisições feitas com o dinheiro estaria um apartamento de três quartos próximo à Praça do Marquês de Pombal. A localidade deu nome à investigação. O político, segundo o MP, tinha um custo de vida "acima das suas possibilidades" e teria recebido 34 milhões de euros para favorecer empresários
"A conclusão a que chegou a acusação trata-se apenas de mera especulação projetada para fora do domínio da racionalidade prática, sem qualquer suporte em concretos argumentos e elementos de prova objetivos. Os elementos de prova constantes dos autos e a lógica contrariam a tese da acusação", disse o juiz Ivo Rosa ao rejeitar parte das denúncias contra Sócrates na última semana.
O magistrado foi sorteado em 2018 para assumir o caso no lugar de Carlos Alexandre, depois de inúmeras acusações de burla à distribuição do processo.
Diferentemente do Brasil, em Portugal há a separação entre o juiz de instrução, que atua na fase de investigação de um processo, e o juiz que julga a ação. O instituto é parecido com o juiz das garantias, introduzido no Brasil pela lei "anticrime", mas ainda não implementado no país.
Em Portugal, cabe ao juiz de instrução aceitar ou não as denúncias feitas pelo Ministério Público. A partir daí um outro magistrado passa a atuar no caso, ficando responsável apenas pelo julgamento. Tanto Carlos Alexandre quanto Ivo Rosa são juízes de instrução.
Brasil
Houve cooperação entre as autoridades portuguesas e a "lava jato" de Curitiba. Os dois países estreitaram ligações porque as investigações eram semelhantes e tinham suspeitos em comum.
Em seu início, a "Marquês" apurou possíveis laços entre Sócrates e a construtora Odebrecht. As suspeitas foram levantadas depois de o Ministério Público português descobrir que a empresa custeou uma viagem do ex-presidente Lula a Lisboa. Posteriormente, foi constatado que o ex-presidente foi ao país europeu para participar de uma celebração que comemorava os 25 anos da Odebrecht.
O Ministério Público também disse que Sócrates teria recebido propina ao intermediar a fusão entre a Portugal Telecom e a Oi. _